quinta-feira, 25 de julho de 2013

Mia Couto

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.


Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.


E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.


E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.


E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.


Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.


Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.


Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.


Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.


E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.


E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 


Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.


Esse mar que só há depois do mar.