sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fabrício Carpinejar

Eu decorei suas fraquezas, acalmei seus pesadelos. Conheço histórias de sua infância, dores e repulsas. Sou sua caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede. (...) Você não escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha curiosidade. Nunca se revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem amava, quais as gafes e as covardias que experimentou na escola. Confidenciou aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu fundo. Não tem anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência. Se você me escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o triplo de responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer um desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou seus pontos fracos e o lugar de suas veias. Sou o mais perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que ouvi a seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me confiou não serve para nada, a não ser para amá-la. Não tem finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto, sorrio e consolo. Não ouso soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos. Quem ama mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e cumplicidade, de zelo e compromisso. Intimidade é um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em chantagem emocional, em sequestro moral.
Suas confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos. Aquilo que você me disse não é para ser devolvido. Todo segredo é um sino sem pêndulo.
Não importa o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.
Não posso rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.
Eu prometo cercar seu silêncio com meu silêncio.
Não nasci para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.